Dispositivos permitem diagnosticar doenças sem exames laboratoriais
Sensores portáteis fornecem resultados com rapidez e facilitam a tomada de decisão por parte de médicos e pacientes
Pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Unicamp desenvolveram um conjunto de sensores portáteis para detectar diversas doenças sem a necessidade de exames laboratoriais. Os dispositivos foram elaborados para a realização de testes no ponto de atendimento (PoC, na sigla de inglês), quando os exames médicos ocorrem no momento em que o paciente recebe atendimento. Médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde podem fazer esses exames com facilidade. A nova tecnologia pretende assim agilizar a tomada de decisão por parte de médicos e pacientes, tornando mais efetivo o manejo de condições relevantes para a saúde pública.
Concebida durante o doutorado do químico Lucas Felipe de Lima, a tecnologia compreende cinco dispositivos acessíveis e robustos para aplicação em diferentes biossensores eletroquímicos. Nesse tipo de sensor, um transdutor – que transforma uma informação física em sinal elétrico – é afetado por elementos de reconhecimento, como anticorpos, enzimas e materiais genéticos. Ao entrarem em contato com o sangue, a saliva ou outros fluidos biológicos, essas substâncias geram uma resposta eletroquímica que pode ser mensurada com um potenciostato – instrumento que mede o sinal elétrico – acoplado a um smartphone e posteriormente lida por meio de um aplicativo.
Embora não se trate de exames domésticos, os biossensores fornecem o diagnóstico de forma mais rápida e barata que exames laboratoriais, cujos equipamentos podem custar milhões de reais. Lima espera que esses dispositivos possam ser empregados no diagnóstico de doenças em locais como farmácias e ambulatórios.
“Com a covid-19, uma resolução da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] passou a permitir que farmácias façam testes para diversas doenças e patógenos, como dengue e malária. Então uma pessoa que saiba minimamente mexer nesse sistema pode fazer o teste no ponto de atendimento. Ela pega o material biológico, mede, descarta, e o paciente recebe o resultado prévio ali mesmo”, explica o pesquisador.
As tecnologias desenvolvidas incluem sensores para detecção de covid-19, mpox, herpes e infarto, além de um dispositivo para monitoramento de quatro biomarcadores clínicos com amostras de saliva.
No caso do sensor para diagnóstico de mpox, por exemplo, o dispositivo foi montado em um substrato de papel que recebeu uma gravação a laser de gás carbônico, resultando na formação de trilhas condutoras a base de grafeno. Esse material, modificado com anticorpos específicos, ao entrar em contato com o vírus – via saliva, sangue, plasma ou amostras das feridas do paciente – reconhece uma proteína localizada ao redor de sua membrana. Após inserir o sensor no potenciostato, o aplicativo consegue apresentar os resultados em apenas 15 minutos.
Como os dados aparecem em gráficos, a sua leitura demanda uma curva de aprendizado, mas também se mostra mais eficiente do que testes de fluxo lateral, como é o caso dos exames de farmácia para covid-19. Isso porque a visualização das linhas coloridas nesse tipo de sensor costuma ser mais difícil quando a infecção está no seu início e a carga viral ainda é baixa, podendo criar a falsa impressão de que o paciente não está infectado.
“Entretanto, no nosso tipo de sensor, por conta de a medição ser feita de maneira instrumental, a gente consegue detectar concentrações muito mais baixas, de forma bem mais precisa e a um custo competitivo”, comenta o orientador do estudo, William Reis de Araújo, lembrando que esse é o primeiro biossensor eletroquímico para mpox desenvolvido no mundo.
Aplicações
A ideia de criar os biossensores eletroquímicos surgiu durante a pandemia de covid-19. Até então, Lima pretendia trabalhar com sensores vestíveis em seu doutorado, algo impossibilitado pelas medidas de distanciamento social. Em 2021, o pesquisador passou uma temporada na Faculdade de Medicina da Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos), onde empregou sua expertise na área de sensores eletroquímicos para auxiliar no diagnóstico do Sars-CoV-2.
Esses estudos resultaram no primeiro biossensor do tipo, para covid-19, produzido em parceria com aquela universidade. O equipamento mostrou-se eficiente na detecção de onze variantes diferentes do vírus. Mais tarde, por interesse de um professor dos Estados Unidos, a tecnologia passou a ser usada para o diagnóstico de herpes.
Chegando ao Brasil, o aluno avançou na sua linha de pesquisa, agora no Laboratório de Sensores Químicos do IQ, expandindo a tecnologia a fim de abarcar outras doenças. Além dos dispositivos para herpes e mpox, Lima criou um biossensor no abaixador de línguas médico, com o objetivo de detectar os níveis de glicose, ácido úrico, nitrito e tiocianato em amostras de saliva.
Voltada ao público infantil, a inovação evita a extração de sangue do paciente, utilizando tintas condutoras biologicamente compatíveis na superfície do objeto, onde o pesquisador desenhou um polvo. “Eu fiz esse desenho para ter algo fora do tradicional, que tornasse o exame divertido para as crianças. Mas o formato possui fins meramente ilustrativos. Não há uma geometria intrínseca nele”, afirma.
A tese de Lima também incluiu um biomarcador para diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, por meio da detecção da enzima creatina quinase, cuja concentração aumenta no organismo humano durante esses episódios. “No pré-infarto há uma série de sinais como formigamento no braço esquerdo, falta de ar e dor no peito que podem ser indicativos para a realização do exame. Então a ideia é usar essa tecnologia para diagnosticar a condição tanto em seus estágios iniciais quanto em pacientes que já estão passando pelo infarto propriamente dito”, esclarece o pesquisador.
Atualmente, Lima trabalha como pós-doutorando no IQ, onde continua a desenvolver biossensores eletroquímicos, agora para doenças como leucemia, H1N1, dengue, zika e chikungunya, com o apoio de outros alunos do laboratório. Seu objetivo é obter parâmetros para tornar esses testes cada vez mais robustos, possibilitando a sua inserção futura no Sistema Único de Saúde (SUS). “Um dia eu quero disponibilizar ao público meu próprio laboratório para a realização desses testes ou mesmo que esses equipamentos sejam levados para regiões remotas e usados no diagnóstico de doenças no caso de pessoas que não têm acesso fácil a uma rede pública de saúde.” (Unicamp)